quinta-feira, 21 de agosto de 2014

QUÍMICA PARA QUE TE QUERO: DESABAFO DE UMA VELHO PROFESSOR DE QUÍMICA.

"QUÍMICA, PARA QUE TE QUERO?"

 "química está em todos os lugares no mundo ano nosso redor! Está na comida que comemos, nas roupas, na água,medicamentosarprodutos de limpeza, enfim em tudo. A química também é chamada de a “ciência central” por que interliga outras ciências entre si, como a biologia, a física, a geologia e a ciência ambiental"
Extraído do site UNIVERSIA.

No dia 03 de agosto de 2014 a consagrada atriz Denise Fraga na sua coluna no prestigioso jornal Folha de SãoPaulo, publicou artigo com o título à epígrafe onde discorre sobre a sua aversão à química e o péssimo desempenho de seus filhos na mencionada disciplina (para ler o artigo completo clique nos links acima)  Não se limita a externar sua ojeriza à verdadeira ciência da vida, onipresente das nossas atividades, nos nossos organismos e em todos os universos habitados ou não. Até ousa sugerir, a partir de sua animosidade contra a ciência química, algumas alterações na estrutura da disciplina ou até mesmo a sua supressão do currículo escolar. O artigo é um festival de sandices. A articulista não sabe sequer distinguir um tema da biologia (platelmintos) que ela relaciona como assunto estudado na química. 
QUE BELA IMAGEM DAS CADEIAS CARBÔNICAS
 Critica o estudo das cadeias carbônicas que estão presentes nas substâncias que nos alimentam, nos combustíveis e  nos medicamentos, por exemplo. Sugere ainda a substituição do ensino de química pelo jogo de xadrez porque, segundo ela, "você já viu alguém jogar cadeias de carbono e hidrogênio com um amigo em uma tarde chuvosa?"
E segue no seu besteirol:
"Por que precisamos aprender coisas para esquecer depois da prova e não para nos ajudar a viver?"
Quanta ignorância!
Daqui a pouco vão sugerir também a exclusão da física, da matemática, da biologia e até da língua portuguesa que é a disciplina mais vilipendiada pelas novas gerações de internautas e a sua substituição pelos games e congêneres.

CUIDADOS AO LIDAR COM A QUÍMICA
A química nos ajuda a viver quando, produzindo fármacos, salva nossa vida, ameniza nossas dores. Contribui para nossa higiene pessoal e produz cosméticos para realçar a beleza. Traz o conforto do uso de automóveis, etc. Melhora a qualidade de vida e nos torna menos ignorantes quantos aos supostos mistérios da natureza. O ensino da química também contribui para elucidar seus efeitos colaterais indesejáveis como a poluição e estimula a luta contra as aplicações de seus conhecimentos em ações de destruição da raça humana.
Consta que o primeiro químico foi aquele que acendeu a primeira fogueira e domou o fogo. No entanto, a existência da química precede até o Big Bang. Sem o conhecimento da química estaríamos ainda hoje habitando cavernas sombrias e úmidas, comendo carne crua e disputando, em desigualdade de condições, espaços vitais com os outros animais.
A química, perseguida ao longo de séculos por ser uma ciência revolucionária, teve um atraso considerável na sua evolução. Por escrever a primeiríssima teoria atômica e se contrapor à insustentável "teoria dos quatro elementos" aglutinada por Empédocles (492 a.C. – 432 a.C ) defendida por Aristóteles ( 384 a.C.   322 a.C )  e apoiada por seguidores da Escolástica (1100 a 1500),  o revolucionário filósofo Epicuro ( 341 a.C.- 271 ou 270 a.C )  foi execrado pelo obscurantismo reinante durante muitos séculos.  

As trevas de uma longa noite quase de dois mil anos foram um entrave ao desenvolvimento da química. No entanto, ela sobreviveu graças a persistência de alguns alquimistas chineses e ocidentais primitivos e, na Idade Média, com as contribuições do genial  Paracelsus (1493   1541), e de Andreas Libavius ( 1555 - 1616) que escreveu Alchemia, o primeiro livro de procedimentos químicos para a preparação de ácidos fortes.
No século XVII Roberto Boyle (1627   1691 ) fincou as bases experimentais para o estabelecimento da química como ciência e Antoine Laurent Lavoisier ( 1743 1794), um mártir da ciência assassinado pela Revolução Francesa, deu a maior contribuição para a química definitivamente  se afirmar no cenário científico. 
No século XIX John Dalton (1766   1844 ) aperfeiçoou a teoria atômica de Epicuro e, a partir de então, outros cientistas criaram um modelo atômico que, melhorado sucessivamente, chegou até os dias atuais. Com Dalton resgatando e aperfeiçoando a antiga teoria atômica de Epicuro encerrava-se a longa noite de dois mil anos.
Destacamos nessa luta a presença marcante de algumas mulheres com Maria, a judia, a primeira mulher alquimista, uma filosofa grega ou egípcia helenizada que, supostamente, pontificou em Alexandria por volta do ano 273 a.C e que inventou aparelhos de destilação (dibicos, tribicos) e o banho-maria. Também participaram da construção da química a corajosa esposa e 
MARIE-ANNE PIERRETE PAULZE  E LAVOISIER
 colaboradora de Lavoisier, Marie-Anne Pierrete Paulze ( 1758   1836 ) e as cientistas Marie Curie ( 1867   1934 ), prêmio Nobel de Física (1903) e Prêmio Nobel de Química ( 1911 ) e Rosalind Franklin (1920  1958)     precursora da descoberta do DNA, que se imolaram para garantir grandes descobertas contribuindo de maneira inconteste para a melhor qualidade de vida da raça humana.                                                                                              
Na constelação dos grandes cientistas da química do século XX figura, entre outros, Linus Pauling (1901   1994 ), o cientista da paz, ganhador do prêmio Nobel de Química (1954) e do prêmio Nobel da Paz (1962). E aqui no Brasil destacam-se Simão Mathias (1908 - 1991) que construiu o primeiro laboratório de físico-química do Brasil e fundou a Sociedade Brasileira de História da Ciência,  Ricardo Ferreira (1928-2013 ) e Attico Inácio Chassot (1939), palestrante renomado nas áreas de história da química e educação química, ainda atuante no vigor e na lucidez de seus setenta e cinco anos.
A química tem berço nas civilizações mais remotas, travou uma luta insana e desigual pela sobrevivência e tem entre seus defensores intelectuais renomados, dedicados e honestos agrupados na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sociedade Brasileira da Química (SBQ) e Associação Brasileira de Química ( ABQ). 
Uma história tão rica não pode ser maculada pela paixão tresloucada e inconsequente de ignorantes ou analfabetos funcionais.
Esta não é a primeira manifestação de “intelectual” contra a química. Renato Russo (1960 – 1996) gravou um desabafo Eu odeio química. A diferença é que ele não sugeriu a exclusão da disciplina do currículo das escolas de ensino médio nem destratou os profissionais químicos como fez a atriz: “Não esqueceríamos o que teríamos aprendido se houvesse uma matéria chamada Diálogo, por exemplo. Poder de escuta, argumentação, retórica, articulação de raciocínio aprendidos em anos de estudos semanais garantiriam com certeza melhores conversas por aí. Inclusive entre os químicos”.
O diálogo, prezada senhora atriz, deve permear as relações professor-aluno em todas as disciplinas. Deve ocorrer permanentemente entre pais e filhos que não gostam de estudar e criam gratuita antipatia a disciplinas que lhes exigem maior dedicação e maior esforço.  E foi o diálogo que cultivamos em mais de quarenta anos de magistério no ensino médio e superior, nos garantiu sucesso em nosso trabalho e nos trouxe o conforto da sensação do dever cumprido. Ao longo desse tempo formamos profissionais de todas as áreas, principalmente professores de química, muitos dos quais com títulos de mestre e doutor em áreas correlatas.
Entendemos algumas predisposições contra o ensino de química como resultantes de seu pleno desconhecimento ou do despreparado de alguns profissionais. E, nesta compreensão, nas nossas lides de professor, tudo fizemos para desmistificar ideias preconcebidas, utilizando equipamentos modernos, novas metodologias e, por nossa sugestão, introduzindo nos currículos dos cursos de química da Universidade Estadual do Ceará as disciplinas História da Química e Química do Cotidiano. Esta última, a nosso ver, deveria constar como primeira disciplina de química no ensino fundamental. 
Talvez a senhora ache que os químicos devam agradecer sensibilizados as suas sugestões. Contudo, mesmo discordando de sua opinião precipitada e inconsequente em um tema que a senhora desconhece, certamente não têm os químicos nenhum reparo ao seu desempenho como talentosa atriz. 
Narra Caio Plínio Segundo, conhecido como Plínio, o Velho ( 23 d.C.  79 d.C.)  que, observando um dos quadros de  Apeles (século IV a.C.) pintor grego que  pontificou em Alexandria, exposto na via pública, um sapateiro comentou um erro no desenho das sandálias do retrato. Apeles escutou a crítica, aceitou-a com humildade e consertou o erro. No dia seguinte o mesmo sapateiro criticou o desenho das pernas do personagem. Ao escutar a ponderação do sapateiro Apeles respondeu: “Ne supra crepidam sutor judicaret” que, em bom português, significa “não julgue além das sandálias”. Em outras palavras, ninguém deve criticar ou dar palpites sobre aquilo que não conhece.
Referências: 

http://www.infoescola.com/biografias/apeles/ página visitada em 18.08.2014

Lynch, John; Mosley, Michael -- Uma História da Ciência - Zahar - 2011

Com informações sobre datas retiradas da Wikipédia



Leituras recomendadas para AMAR E ENTENDER Química:


ABDALLA, Maria Cristina Battone - O discreto charme das partículas elementares - 2006 - Editora - UNESP

ALDERSEY-WILLIAMS, Hug - Histórias Periódicas, a curiosa vida dos elementos - 2013 - Record - RJ/SP
ARNOLD, Nick - Caos Químico - 2006 - Melhoramentos - SP
BELL, Madison Smart - Lavoisier no ano um - 2007 - Cia. das Letras - SP
BUNPEI, Yorifugi - O Fantástico Mundo dos Elementos - A Tabela Periódica personificada - 2013 - Conrad Editora - SP
CHASSOT, Attico I. - A Ciência Através dos Tempos - 2004 - Editora Moderna - SP
CRATO,Nuno - Passeio Aleatório pela Ciência do dia a dia - 2009 - Livraria da Física Editora - SP
CHAGAS, Aécio Pereira - A História Química do Fogo - 2006 - Editora Átomo - Campinas - SP 
DEFRANCESCHI, Mireille - La Chimie au quotidien - 2006 -Elipses - France
EMSLEY, John - Vaidade, vitalidade, virilidade a ciência por trás dos produtos que você adora consumir - 2004 - Zahar -RJ
ESCOVAL - A ação da Química na nossa Vida - 2010 - Editorial Presença - Portugal 
EMSLEY, John - Moléculas em Exposição - O Fantástico Mundo das Substâncias e dos Materiais que fazem parte de nosso dia-a-dia - 2001 - Zahar - RJ
FERREIRA, Ricardo - Vida de Cientista - 2007 - Editora Átomo - SP
FISHER, Len - A Ciência do Cotidiano - Como aproveitar a Ciência nas atividades do cotidiano - 2004 - Zahar - RJ 
FORD, Leonardo - Chemical Magic - 1993 - Dower Publications Inc. New York - USA
GILMORE, Robert - Alice no País do Quantum - A Física Quântica ao Alcance de Todos - 1998 - Zahar - RJ
GRAY, Os Elementos - Uma Exploração Visual dos Átomos Conhecidos no Universo - 2011 - Editora Blucher - SP
GREENBERG, Arthur - Uma Breve História da Química - Da Alquimia às Ciências Moleculares Modernas - 2009 - Editora Blucher - SP 
GRIBBIN, John - O Pequeno Livro da Ciência - Uma panorâmica acessível das grandes questões científicas do nosso tempo - 1999 - Editora Bizâncio -Portugal
GUCH, Ian - Chemistry - Pocket Idiot's Guide - 2005 - Alpha - USA 
HOFFMAN, Roald - O mesmo e o não-mesmo - 2007 -Editora UNESP - SP
JANBEN, Ulrich e STEUERNAGEL, Ulla - A Universidade das Crianças - 2005 - Planeta - SP
LE COUTEUR, Penny; BURRESON, Jay - Os botões de Napoleão, as moléculas que mudaram o mundo - 2006 - Zahar 
LEE, Rupert - Eureka! As grandes descobertas científicas do século XX - 2006 - Nova Fronteira - RJ
LEVI, Primo - A Tabela Periódica - Romance - 2001 - Relume Dumará RJ
MOORE, John T. - Chemistry for Dummies - 2003 - Wiley Pubishing, Inc - USA
POIRIER, Jean-Pierre - La Science et L'Amour - 2004 - Pygmalion - France
POUNDSTONE, William - Big Secrets - 1985 - QUILL - New York
RIVIÈRE, Patrick - Paracelso - médico - alquimista, vida, filosofia, teoria y obra de este personaje, controvertido y misterioso - 2000 - editorial De Vecchi - Barcelona- España 
SACHS, Oliver - Tio Tungstênio - Memórias de uma infância Química - 2011 - Companhia de Bolso - SP
SACHS, Oliver et all - Histórias Esquecidas da Ciência - 1997 - Editora Paz e Terra - SP
SANTOS, Robson Fernandes - História da Alquimia - 2010 - Editora Átomo - Campinas SP
SANTOS, Robson Fernandes e NEVES, Luiz Seixas das - Naturam Matrem - da natureza física e química da matéria - 2005 - Editora Átomo - Campinas - SP
SCHWARCZBarbies, bambolês e bolas de bilhar, os deliciosos comentários sobre a fascinante química do dia-a-dia - 2009 - Zahar - RJ
STRATHERN, Paul - Curie e a Radioatividade em noventa minutos - 2000 - Zahar - RJ
TRIGUEIRO, André - Mundo Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação - s/d Editora Globo - SP
TRIGUEIRO, André - Mundo Sustentável 2 - Novos Rumos Para um Planeta em Crise - 2012 - Editora Globo - SP
 TRINDADE, Diamantino F. e TRINDADE, Laís S.P. - A história da história da Química - 2003 - Madras - SP
THIS, Hervé - Um Cientista na Cozinha - 1998 - Editora Ática - SP
VANCLEAVE, Janice - Química para Jovens - 1998 - Publicações Dom Quixote - Lisboa - Portugal
VANIN, José Atílio - Alquimistas e Químicos - O Passado, o Presente e o Futuro - 1994 - Editora Moderna
WEISSKOPF, Victor - A Revolução dos Quanta - Editora Terramar - Portugal 
WOLKE, Robert L. - O que Einstein disse a seu cozinheiro - a ciência na cozinha - 2003 - Zahar - RJ
WOLKE, Robert L. - O que Einstein disse a seu cozinheiro 2 - a ciência na cozinha - 2005 - Zahar - RJ
WYNN, Charles M. e WIGGINS, Arthur - As cinco Maiores Ideias da Ciência - 2002 - Prestígio Ediouro SP



QUÍMICA: AMAI PARA ENTENDÊ-LA!!!



E, PARA FINALIZAR, UM BRINDE DA QUÍMICA



Um comentário:

Viviane Maciel disse...

prezado
na época do incidente da publicação deste artigo, trouxe o texto para discussão com meus graduandos do curso de licenciatura, durante nossa aula de história da Química ... gostaria, no entanto, de ter tomado conhecimento de sua palavras nesta ocasião, pois eu não poderia tê-lo dito melhor. Obrigada.